RELATÓRIOS D’O ESPECTADOR ESPANTADO #201§98/2014. Fotos 3D anaglíficas. © Edgar Pêra
EDGAR PÊRA- Hollywood tenta, mas nunca será capaz de prever com exactidão a reacção dos espectadores…
ISMAIL XAVIER – Tem aquela ideia de que tudo é calculado, tudo é previsto não é? E não é assim. O cinema tem um imponderável de tal modo, que muitas vezes a indústria aposta numa direção e dá errado e muitas vezes dá certo aquilo que não se sabe muito bem se vai dar ou não, e não sei se li ou alguém me disse isso (como não sou sistemático nessa questão do “Star System”), que Rodolfo Valentino teria sido um actor secundário num grupo de filmes mas que foi o público que prestou atenção a ele e que “ensinou” a indústria a prestar-lhe atenção e aí quando eles perceberam que havia essa recepção do trabalho dele, esse encantamento e essa prosperidade que ele tinha na sua representação, que passaram a traze-lo para o primeiro plano mas não sei se foi assim a história.
EDGAR PÊRA – Eu li que com o Clark Gable passou-se algo de semrlhante, que as mulheres suspiravam quando o viram num papel secundário e que estavam na sala de cinema pessoas do departamento de Marketing dos Estúdios que assinalavam esses suspiros das espectadoras. Hollywood tem um lado programático, uma ambição totalitária de manipulação das emoções…
ISMAIL XAVIER – Exacto, como é o caso de behaviorismo/comportamentalismo não é? Estimulo/resposta. Agora de certo modo, isso que a gente ouve falar da história de determinados actores, você se confunde também com o início do século. Eu lembro-me quando fiz o curso Jay Leyda (aquele historiador fantástico não é?) ele nos disse que, em 1908, tinha uma moça que era a atriz dos filmes da Biograph que o Griffith dirigia, eles foram fazendo alguns filmes e eles ainda não tinham o hábito de pôr o nome dos actores. A indústria do cinema ainda não tinha aprendido a pôr os créditos, e os jornais e as pessoas começavam a falar na Biograph Girl. E essa Biograph Girl começou a atrair atenção e eles na indústria acabaram por estabelecer a ideia de usá-la como atração para fazer uma publicidade, era uma moça chamada Florence Lawrence. Já quando chegou o período da Mary Pickford, que não é muito depois porque a Mary Pickford começou a trabalhar nos filmes do Griffith desde 1909, já começaram a nomear as atrizes e os actores, porque perceberam que isto tinha importância porque havia pessoas que tinham melhor capacidade de interpretação, tinham mais carisma do que outros. Então a indústria foi aprendendo empiricamente a lidar com determinados mecanismos de espectador e então não foi tudo programado, não se sabia tudo nem estava tudo planeado.
EP – Então de alguma forma, as estrelas são um pouco aquilo que sobrou do cinema das atracções. São as atracções que se destacam mais na narrativa e que de algum modo a fragmenta.
ISMAIL XAVIER – E que acabam atraindo por serem elas e não propriamente porque as pessoas estão acompanhando totalmente a inserção delas na narrativa. Lauren fala muito dessa história do espectador que quer que a história continue e por outro lado há o espectador que quer que pare o plano da moça linda que está ali e que não quer que desapareça mas ao mesmo tempo tem a história que está sendo contada, isso cria uma ambiguidade.
EP – Então e qual acha que seja a diferença entre Hollywood de hoje e o de ontem, e o espectador de ontem e de hoje?
ISMAIL XAVIER – Eu acho que continua havendo a mesmo coisa, porque você veja a quantidade de situações em que você tem apostas feitas com grandes investimentos e que não dão certo e filmes com menor ambição dão certo. Eu me lembro, como é que se chamava aquele filme? Era um filme romântico, eu estava nos Estados Unidos quando eu vi esse filme e eu me lembro que era uma daquelas situações que tinham feito o filme sem muito dinheiro e não estava apostado e de repente foi um sucesso incrível. (eu tenho um problema de memória para títulos… (sorri))
EP – O que eu estava a querer perguntar era mais no sentido de, o que é que significa para si Hollywood hoje?
ISMAIL XAVIER – Olhe é o seguinte, eu fui uma criança que a experiência era o Hollywood, no Brasil entre os 5/6 anos de idade quando fui pela primeira vez ao cinema até a minha adolescência, a minha relação com o cinema era a partir de Western, filmes policiais, melodramas, enfim o cartaz era de Hollywood. Então eu tenho dessa experiência a seguinte experiência pessoal que para mim é importante, primeiro que era mais tarde, quando eu tinha por aí uns 17/18 anos, eu comecei a ter um grupo de amigos e a gente começou a ir ao cinema ditos de artes não é? Ver filmes diferentes, ver filmes europeus, filmes japoneses, reprises e conhecendo a história do cinema, e isso, eu me senti ampliando e realizando, com um pouco mais de domínio, senti-me bem pelo benefício que isso me trouxe.
Agora por outro lado, eu nunca abandonei, na minha relação pessoal com cada filme que me deparo, uma abertura para esse cinema industrial. Eu não sou uma pessoa que rejeita à priori, eu sei quais são as premissas, eu tenho relações extensas, eu não gosto de algumas premissas, eu sei que tem toda uma prosperidade de fazer toda uma análise dos códigos usados e que esses códigos nem sempre são as melhores escolhas para fazer uma obra de arte mas isso não impede de que cada filme é um filme. Lá porque eu acho que tem problemas analíticos, eu dizer que Hitchcock não é um bom cineasta, o Hitchcock é um mestre não é? E dá-me muito prazer assistir aos filmes dele, o que estou a querer dizer é isto. Então para mim, Hollywood é a experiência do cinema clássico que eu tive durante esse período formador, porque quando eu falo de experiência de cinema de arte e essas coisas, isso só começa a aparecer na minha vida a partir de 66/67 que já não era Hollywood classic mas sim, o cinema dos anos 60 e os próprios Americanos tinham passado transformações.
EP – E que diferença é que sentiu nessa altura em relação aos filmes? Nessa altura em que se tornava visível nessa altura que uma Hollywood estava a desaparecer e outra…
ISMAIL XAVIER – Haviam outras coisas a ter bastante vigor e correspondiam ao cinema que, para aquela minha idade, estava na universidade, tinha militância política, tinha muita descoberta do mundo, tinha maior experiência, maior mas relativa, uma pessoa com 18 e outra de 10 não é? Mas ainda muito jovem, muito inexperiente, eu sentia ampliação mas isso não me afastou de géneros que compõem o cardápio do cinéfilo, por exemplo, o western. Eu ainda sou um espectador tranquilo de John Ford, gosto de alguns filmes clássicos de western, os melhores westerns. O que não me impede de saber perfeitamente o tipo de metodologia ali implicada mas uma coisa é este saber e a outra é a relação singular com cada filme.
EP – E o que é o atraía num western?
ISMAIL XAVIER – O que me atraía num western é aquilo que, enfim, define a capacidade que uma cenografia teve de constituir essa mitologia e a capacidade que ela teve de trabalhar os espaços. O western por isso mesmo não é muito bom em DVD, não é um cardápio do mais prestigiados na nossa era de imagem pequena, ele exige a escala da tela, ele exige uma capacidade sensível de ser afectado pelo grande espaço, ele é um cinema que tem uma capacidade coreográfica hoje em dia nas ações e ele tem a capacidade de criar níveis de experiência que não são redutíveis àquela metodologia da conquista do Oeste, da formação de um país que tem os seus valores, etc. etc. É uma coisa que tem essa dimensão mas tem outras também que estão ali implicadas nas relações de conflito e entre seres humanos, agora o que de um tempo para cá me chamou mais à atenção foi à possibilidade de você traçar o desenvolvimento de determinados tópicos e de determinados cineastas. Por exemplo, eu adoro comparar na própria carreira do John Ford… (aqui fomos interrompidos)
…era mais vago, era melhor. E o filme de 62 que é The Man who shot Liberty Valance, que no Brasil se chamava O Homem que matou o Facínora. Então são três filmes, um em cada época, em que você vê a evolução do mito, tal como trabalhado pelo John Ford, e a evolução de três personagens interpretadas pelo mesmo actor que é o John Wayne, não é? Então você tem a história que é a relação de um cineasta, que é dos melhores do género, com cada um desses momentos da história dos Estados Unidos, um em 1939, um em 1956 e um em 1962, e a possibilidade que ele teve de transformar o seu personagem de modo a que ele fosse cada vez mais adaptado a situações em ele vai perdendo cada vez mais o espaço. No Stagecoach, é o jovem herói que termina o filme a ir embora com a moça, ele vai ser preso mas deixa de o ser porque e um bom sujeito que vai com a Dalas, que é a mulher considerada a prostituta da cidade, os dois se encontram há uma espécie de redenção mutua e são os personagens virtuosos do filme. E são liberados para ir embora para uma fazenda que está para além da fronteira, que é uma ideia bem dentro do western, o homem sozinho na Natureza com a sua mulher inclusive já com vida. Eu já falei que tenho um rancho para lá e é isolado, eu acho que um homem e uma mulher podem ir viver muito bem lá. Então essa ideia de se afastar da sociedade, da civilização numa utopia romântica de isolamento junto à Natureza mas é uma personagem que termina com um projecto positivo dentro dessa chave romântica. Já no outro filme, o The Searches, ele já é mais velho, ele vai ser o personagem que tem lutado, é um sujeito que já participou na guerra-civil americana porque o filme se passa logo depois e ele ainda tem aquele uniforme dos confederados do Sul, ele é um homem conservador, ele é um homem racista e ele é um homem que está naquela comunidade para colocar a serviço deles a sua competência guerreira, e tem um aprendiz seu. É um filme sobre a relação entre o Mestre e o Aprendiz, que é o sobrinho mas esse sobrinho tem um pecado para ele que é ser mestiço então ele olha para o sobrinho com um ar de desconfiança dada pelo racismo. E a história toda vai evoluir na direção em que o sobrinho vai ganhando mais protagonismo e ele vai passar o bastão, mas no final ele ainda tem o ultimo gesto decisive de ajudar o exército no ataque a uma tribo de índios que é a tribo que sequestrou a sobrinha dele, quando a sobrinha dele era criança. E toda a história da ideia da procura é porque ele está procurando a sobrinha, ele é obcecado na procura… Então o que acontece, o primeiro impulso dele é encontrar a sobrinha mas depois ele percebe que a sobrinha… tem um momento em que chegam a encontrá-la mas ela os rejeita porque ela assumiu a sua identidade indígena e está com medo que eles sejam mortos, então ela diz “Vão embora, vão embora e me deixem aqui” e o motivo que ela tem é ambíguo porque por um lado pode sair em nome da segurança do tio e do primo ou também em nome do facto que ela está ali integrada, aí ele fica furioso e o sobrinho percebe que ele a encontra mata-a, tem essa história dele a matar. Então o final tem a história dele participando nessa expedição contra a tribo dos índios, com os Caci chamados “Cicatriz”, e o sobrinho desconfiava de que quando ele a encontrar a Natalie Mute, que é a Deborah, ele vai matá-la… e no final ele não a mata, quer dizer ele chega a apontar a arma para ela mas ela a levanta assim, é uma cena muito famosa, de ele a levantar assim no colo e repetiu o gesto que ele fez no início do filme quando ela era criança em que levantou a menina, exactamente o mesmo gesto que ele fez décadas antes quando ela era menininha e aí ele volta mas quando ele volta, já está tão contaminado pelas guerras e já é tão igual a todos os que ele combateu que tem várias cenas em que ele mostra que tem um… inclusive ele usa o escalpe, ele escalpela o Cicatriz, o cacique, que é um acto indígena não é? Então há no filme, todos os indícios de que ele está… já ele é, na ação e no modo de ser, uma mistura… embora ele deteste isso. Aí todos entram na casa, famoso plano da porta, do recorte… todos entram na casa e ele não entra, não tem espaço, não tem lugar naquela casa, então ele fica lá fora… isso é uma metáfora que usa para quem não tem lugar. Ele é aquela pessoa violenta, racista, conservadora, faz um serviço útil porque ele é eficaz na guerra, mas na hora em que se pacifica, na hora em que a comunidade se vai estabilizar ele não tem lugar, ele é um homem do passado, ele não tem futuro… E quando chega o filme de 62, se trata de um senador, que é o James Stewart, que volta para uma cidade do west para assistir a um funeral.. que é o funeral da personagem de John Wayne, que era essa personagem que não tinha futuro e que agora já está morto, ele agora chega ao ponto final do seu percurso. E ele foi uma pessoa que viabilizou a vitoria deste senador, que era um advogado e não pegava em armas, foi ele que viabilizou que ele conseguisse a vitória diante dos bandidos que assolavam a região, etc. mas ninguém sabe que foi ele, só o próprio James Stewart é que sabe. Então James Stewart vem ao funeral para homenagea-lo porque tem uma divida, tem respeito por ele embora seja um senador que tem no seu trajecto a figura de advogado, ele é o Lincoln, ele é o advogado, ele é o homem da lei. Então como chega no Homem que matou o Facínora, The Man who shot Liberty Valance, você tem esse personagem ligado à ideia da violência como o personagem que faz o serviço mas não é mais herói sequer porque o que ele fez ficou no anonimato e quem ganhou as glórias foi o advogado. E nessa dupla, o advogado vai para o congresso como senador e ele fica no ostracismo, perde a mulher porque os dois disputam a mesma moça, quem fica com a moça é o advogado e no momento em que ela vai embora com o advogado ele vai queimar a casa que ele tinha construído para os dois para quando se casasse com ela.. .
EP – Mas sabe o que eu me lembrei? Estava agora a escrever para este livro sobre Hollywood e… e lembrei-me do filme do Spielberg do Lincoln, de que ele tinha comprado votos para depois poder acabar com a escravatura e lembrei-me da história do Liberty Valance e lembrei-me duma coisa que o Žižek escreveu sobre o Liberty Valance que o que era extraordinário não era que havia a relação do mito que era aquela frase do “entre o facto ou lenda, imprime-se a lenda”, é o filme revelar a manipulação da própria realidade e nesse filme do Lincoln é a mesma coisa, são dois filmes e são uma coisa extraordinária, até que ponto é que não são assim tantos sistemas que permitem desvendar…
ISMAIL XAVIER – São reveladores, desmascaram… no caso do O Homem que matou o Facínora, o título brasileiro, esta capacidade que eles têm de mostrar “tudo bem nós temos a ideia de que evoluímos na direção da lei, evoluímos na constituição do estado/nação que tem a sua constituição e tudo isso mas evoluímos nessa direção à custa de muita guerra e à custa de muita gente que hoje podem estar recalcadas na memória”. Então nesse sentido, o filme expõe mecanismos da criação do mito, mecanismos da criação da lenda e então temos aquela famosa frase “entre o facto e lenda, imprime-se a lenda” que é aquilo que marca as narrativas de fundação nacional. Todos os países têm os seus mitos de como chegaram a ser o que são, e em geral dizemos que é mito porque em geral a história que prevalece na opinião pública, que prevalece mais ampla do passado nacional é de carácter mítico, o que é o que o pessoal de literatura chama de “narrativa de fundação”, quer dizer é a fundação de um país que se constituí e vai ter uma memória do seu passado que é pautada na lenda, pautada na criação de mitos.
EP – E qual é que acha que é a narrativa de fundação de Hollywood?
ISMAIL XAVIER – Eu acho assim, não vou ter memória para te dizer onde é que a gente encontraria isso encenado, posto em filme, mas acho muito interessante o facto de… vou citar um caso que me ocupou durante algum tempo, que foi o caso dos irmãos Taviani. Os irmãos Taviani sempre tiveram uma filmografia de análise política, sempre que o cineasta se identificasse com a esquerda, desde os filmes que fizeram em 1968/69, até ao Padre Padroni ou Les Enfants, filmes que eles fizeram em diferentes momentos, quando eles fizeram o Bom Dia Babilónia em 1986, eles estão num momento de nostalgia pelo próprio cinema, aquela ideia de que como se fosse falar da morte do cinema porque já haviam outras tecnologias, outras formas de criar a imagem em movimento, e que o cinema ia perder espaço, então essa crise no cinema italiano, essa crise europeia que foi sentida pelos Taviani, gerou um projecto para fazer uma homenagem ao início do cinema, e essa homenagem foi feita através daquela história dos dois irmãos que são filhos de um restaurador de catedrais, são escultores de um elefante numa catedral que está sendo encerrada a restauração no início do filme, ficam desempregados e numa situação difícil porque não há mais restauro para fazer, vão juntos com os construtores para o pavilhão italiano na Feira Internacional de São Francisco em 1915. Lá o pavilhão italiano faz muito sucesso e é lá que é exibido o Cabiria, o filme italiano do Pastrone em 1914, que é um grande sucesso porque é um grande filme de época e um grande filme sobre a formação do Império Romano, que é a luta de Cartago contra Roma e as ditas guerras púnicas, só que é transformado num melodrama que é a história do rapto aliás o rapto da Cabiria no filme do Pastrone nos lembra do rapto da Deborah, da Natalie Wood no filme do John Ford, que é em função do rapto que tudo se passa. E esse rapto da menina que é levada para Cartago vai ser um “acordar” da ficção no Cabiria e é no final quando ela é salva pelos romanos, porque os romanos ganharam a guerra, então o resultado melodramático da vitória dos romanos na guerra é a libertação de Cabiria, que coincide com o momento em que os romanos se tornam os “donos do mundo”, vamos dizer assim, controlam o mediterrâneo, etc. é a fundação do Império Romano no seu momento de auge. Então o caso aqui dos Taviani é que quando eles fazem isso eles pegam em dois italianos que são restauradores da catedral, vão para São Francisco, fazem sucesso e resolvem ir para Hollywood tentar trabalhar na indústria do cinema e são empregados pelo Griffith e vão fazer o elefante do Intolerância, que é um dos pontos fortes da cenografia do Intolerância, e aí ele faz uma elegia a Hollywood, que era uma pequena vila, que era como se fosse uma comunidade, que todos eram felizes trabalhando ali, havia as intrigas, os pequenos dramas, as deslealdades típicas da concorrência mas um pouco elegíaco no sentido de construir uma imagem de Hollywood e do próprio Griffith. Eu acho que se o Griffith tivesse visto o Bom dia Babilônia teria se sentido adorado pela imagem construída dele no filme, porque é um pacifista, coisa que ele não era, é um homem gentil e cavalheiresco e que tem um confronto com o pai dos restauradores que vem da Itália para o casamento dos filhos com duas americanas e o Griffith é uma espécie de cavalheiro, gentil que fez um filme pacifista que se chama Intolerância. Tudo mais de Hollywood e de Griffith, tudo mais que poderia ser relacionado com a política, com toda uma série de outras coisas, é esquecido em nome dessa elegia ao cinema, em nome a esse momento de descobertas do cinema e aí os dois voltam para a Europa porque está havendo a Primeira Guerra Mundial e acabam os dois morrendo juntos e eles inclusive figuram essa ideia do desastre, da guerra que começa um período difícil na Europa entre as guerras e etc.
EP – Tem piada porque há um actor português, o Joaquim de Almeida, que vive e trabalha em Los Angeles e entrou nesse filme dos Taviani, e também foi um emigrante em Hollywood….
ISMAIL XAVIER – … e depois foi lá parar, exacto. Então no caso interessante como os irmãos Taviani, falam muito desse desastre da guerra europeia pouco como metáfora para o que tinha sido ou estava sendo a história da Europa no séc. XX e o problema do cinema que está ameaçado nos anos 80 e voltam para o passado numa postura elegíaca, do mito hollywoodiano. É como se eles, com todo o espírito critico que têm, com toda a dimensão política que o trabalho deles sempre teve, para eles era mais importante afirmar a continuidade da arte, simbolizar o elefante, que termina o filme que é o elefante esculpido por jovens e o elefante é um leitmotif no sentido wagneriano, do motivo que se repete, é a continuidade da arte apesar de tudo, tem a guerra, tem todos os horrores da história mas existe a arte. Então é um filme de homenagem ao artista e de homenagem ao início do cinema. E de certeza maneira há um lado mítico ali que é surpreendente porque são dois italianos cuja vida foi a fazer um sermão muito politico e que projectam nessa dupla que vai para Hollywood, eles são dois irmãos e ao serem dois irmãos não dá para não fazer a comparação, e acabam por ser dois irmãos que acabam por morrer juntos, um abraçando o outro durante a Primeira Guerra Mundial, em pleno campo de batalha na Europa. Sinceramente é claro que Hollywood está cheio de filmes sobre artistas, sobre grandes mitos que são filmes que constroem esse mito não é? De qualquer maneira, também acho que Hollywood tratou de construir o seu próprio passado no cinema enquanto os historiadores fazem a história escrita, Hollywood fez na própria tela a sua própria versão do seu passado e conforme o momento, essa versão foi mais mítica, mais edulcorada, mais pautada por uma ideia edificante e depois também há os filmes que fizeram a crítica não é? Tem muitos filmes de Hollywood que fazem a crítica de determinados momentos da vida…
Também há o motivo do artista sacrificado, do artista que é engolido vampirescamente pela máquina, tem muitas biografias de artistas sejam actores, sejam às vezes até directores, que são feitos com base nesse princípio, de que são pessoas extraordinárias que foram engolidas, foram vampirizadas. Então eu acho que Hollywood também construiu os seus mitos e também dentro do próprio movimento da filmografia, dependendo da época, dependendo do cineasta também fez a sua auto-crítica, também fez obras que abordaram criticamente essa história.
EP – O que acha que mudou mais no espectador, da feira ao multiplex?
ISMAIL XAVIER – Numa questão de tempo, eu estou a acompanhar menos, estou muito menos a par da filmografia hollywoodiano do que já estive em outras épocas. O que para mim está a aparecer muito, é uma distância entre aquilo que eu chamo de filmes de High Tech, que se pautam pela intensiva presença dos efeitos próprios à imagem digital e mitologias. É assim: High Tech + Mitologias, sejam de qualquer procedência, desde que sejam mitologias, desde que sejam histórias já consagradas, e que estão ligadas a um determinado género, seja o género histórico propriamente dito, então eu vou às religiões, como por exemplo, numa fase incipiente desse jogo de High Tech, o George Lucas e Steven Spielberg fizeram, todos os filmes são de altíssima tecnologia e ao mesmo tempo as histórias remetem-se para um mito, seja a arca perdida, seja à procura do Graal, o George Lucas também com histórias ligadas à ficção científica, a uma estrutura religiosa. Ou seja, a religião tornou-se uma combinação muito interessante, entre altíssima tecnologia, que tem a ver com ciência, com uma laicização do mundo, e com o já famoso desencanto do mundo (na frase do Weber como se a racionalidade industrial científica fosse um processo de desencantamento), mas o cinema reencontrou a tecnologia digamos assim, e produziu uma mitologia muito forte e voltou às religiões. São determinados géneros como o dos vampiros (como temos aquela série “Crepúsculo”) tem um impacto nos jovens impressionante, foi uma coqueluche e virou uma série. Tem uma estratégia de afectar as pessoas por algum paradigma do imaginário, que foi um paradigma já bastante trabalhado, seja vampiros, seja uma passagem bíblica, seja alguma religião condensada, o Avatar é outro. É sempre essa forma de condenar aventura, conflitos radicais e bem-mal, etc. e, ao mesmo tempo, altíssima tecnologia para produzir visualidade, para produzir todos os efeitos que a gente vê. Isto é um terreno, o outro terreno são esses filmes mais dramáticos, mais críticos que são de cineastas que já se põe naquela ideia dos autores que Abel Ferrara, o próprio Scorsese que eu acho que é um cineasta que teve outro tipo de postura, o Spike Lee na Chave da Etnia, e agora faltam-me nomes que qualquer pessoa vai-se lembrar, eu acho que ficou muito distante esses dois tipos de tendência, bem distante uma da outra, inclusive você vê a forma como Scorsese assumiu o 3D. Ele tentou combinar, no 3D, um filme que tivesse a diferença mas agora curiosamente ele foi pelo mito do próprio cinema para fazer homenagem ao Méliès. Ele mostra as conexões entre um certo tipo de fantasia produzida pelo cinema num primeiro momento e a relação que tem com essa situação actual, então Scorsese, de certa forma, também percebeu que havia algo nessa tecnologia que chamava por uma parábola, por uma fábula que levasse algum tipo de encantamento ligado a convicções íntimas de pessoas duma determinada área e no caso do próprio cinema. É muito interessante essa maneira como que esses filmes de altíssima tecnologia não podem fazer um drama, um drama mais realista, digamos assim, mesmo que fosse um melodrama mas duma coisa contemporânea e laica.
EP – Como é que entende a evolução da violência no cinema e a evolução da censura, no sentido em que começou por aparecer a violência, depois apareceu a censura, depois passou-se a deixar de se ter censura e depois a violência de repente tornou-se em algo banal.
ISMAIL XAVIER – O que me impressiona mais não é tanto a violência nos filmes assim mas a violência nos desenhos animados, que são altamente sofisticados no ponto de vista técnico, falam sempre de coisas de ficção científica, de armas com raio não-sei-o-que, gente envolvida em histórias mais de futuro e, curiosamente são coisas que eu vejo crianças de 5-6 anos de idade assistindo, são duma violência incrível porque são pessoas destruindo de formas mais sofisticadas, são uma violência que, inclusive, acho que deve ser assustadora porque essas armas não são armas dum tiro normal ou uma facada, são armas mirabolantes que você nem vê como é que ela consegue o efeito que consegue e vão desaparecendo pessoas ou morrendo pessoas. Eu acho muito curioso essa violência. Os jogos são muitos violentos. Eu estou me a interrogar porque ainda não pensei bem nisso mas por acaso, por causa do meu neto, deparei-me com essa realidade numa situação mais quotidiana e de repente comecei a pensar sobre um assunto que eu não teria pensado se não fosse uma circunstância particular, e eu estou muito impressionado com isso.
EP – Eu acho que eles são capazes de lutar menos do que nós lutávamos quando éramos crianças, na realidade é capaz de haver menos violência hoje entre as crianças porque estão muito mais controladas, o pai deixa e vai logo buscar, já não vêm a pé para casa.
ISMAIL XAVIER – Não é um sentido de achar, como aquelas pessoas que acham que violência gera violência, eu não acho que os espectadores de cinema ficam mais violentos porque vêem um filme violento. Eu fiquei impressionado com a sensibilidade apenas, porque como disse o Bettelhein aquele psicanalista americano quando escreveu aquele livro “A psicanálise dos contos de fadas”, ele dizia: “vocês já repararam como os contos de fadas são violentos? Do lobo que engole a vóvó?”, isso não é assim tão menos violento… Porque essa violência vivida no plano imaginário, ajuda a equilibrar o plano real, tem este aspecto. Mas num outro aspecto, do ponto de vista da sensibilidade artística (filme, etc) como é que isso vai ser elaborado. Porque eu também fui uma criança que cresceu cinema violento, eu lembro-me que a minha mãe dizia vou ver tal filme e eu dizia “mas isso é romance” eu achava que era ridículo, eu queria era ver western, filmes de guerra não é? Nesse ponto interessante essa questão da violência não estou a querer tocar em termos moralistas, mas acho curioso porque se mantém sempre na mesma pauta, vai-se alterando o momento, a sociedade, as tecnologias disponíveis, e determinados paradigmas mantêm-se, inclusive esse dirigido à infância.
EP – Mas acha que existe, pelo facto de nós termos uma consciência aguda daquilo que é o cinema, não só o cinéfilo mas qualquer pessoa, que faz também com que essa violência não seja vista só mesmo do ponto de vista plástico e que não seja vivida como eram vividas nos anos 50 ou 60, esse tipo de violência que nem sequer era vista mas muito mais sentida.
ISMAIL XAVIER – Eu não sei, porque eu vejo que eles ficam muito excitados com essa violência enquanto violência, pelo menos os casos que eu vi. Eles vêem o filme, ficam muito interessados e depois saem já a imitar, mas puramente imaginário porque isso não lhes dá perda de realidade. Por exemplo, o meu neto ele pode ver um filme desses sair e dizer que ele vai ser o herói que vai fazer isso e aquilo, você sai da rua, aparece um cão e ele fica com medo. Ele sabe muito bem a diferença entre todo aquele imaginário violento em que ele é o grande herói e a situação real de você ver um cão que está ali e isso já basta para o deixar com medo.
EP – Só que, para contrariar a nossa tese, também ouvi aquela história daquela criança que se atirou do prédio porque julgava que era o Super-Homem e ficou todo partido, depois quando chegou a mãe ele disse “Pois foi, esqueci-me da capa”.
ISMAIL XAVIER – Isso é um caso extremo não é? No entanto, esses casos não estão excluídos. É impressionante isso por causa dos detalhes porque os detalhes são importantes nessa hora mas eu acho que há casos e casos, quer dizer, 90 e tal porcento das crianças não se vão atirar. Como também 99% dos espectadores não vão sair a imitar o homem que viram no filme.
EP – Como o Natural Born Killers, que Natural Born Killers deu origem a uma vaga de assassinatos copy-cat.
ISMAIL XAVIER – Mas isso toda a gente pode fazer, então as pessoas que o fizeram teriam de ter outra coisa anterior a ter visto que fez com que elas já tivessem impulsos que geraram aquele acto, não foi o facto de que elas estão ali inocentes e o filme lhe incuta um virus e esse virus é que sera responsável pelo acto. A pessoa já trazem estruturalmente um determinado perfil e, nesses casos, pode ocorrer essa imitação do que viram na tela.
EP- Mas é uma preocupação e uma ilusão, que foi mantida tanto nos países capitalistas como os comunistas, o Lenine dizia que era a arte do séc. XX, no fundo achava que ia controlar as massas através da arte mas até o Münsterberg apelava a uma espécie de censura e dizia que o cinema exercia grande influência nas crianças, portanto há um bocado essa ilusão que o cinema tem o poder de causar mal.
ISMAIL XAVIER – Já gerou poder, principalmente quem tenha um tipo de reserva moral, ética, medo de ameaças de qualquer tipo e são pessoas que são muito preocupadas com a hora do controlo. Eu acho que a censura, pelo contrário, eu acho que restringir o universo experiente de alguém você está criando pessoas mais vulneráveis, você ao expor as pessoas a experiências, dentro de limites claro não estou a falar de expor pessoas a experiências malucas. Essa experiência de assistir a uma imagem que não vai ter uma relação directa, física com você, e vai apenas trabalhar no plano imaginário, é uma experiência em que a sua aplicação é o aprendizado. É também uma forma de elaborar as suas próprias tendências agressivas, tanto que o Hitchcock tem essa teoria, está lá no Janela Indiscreta. Está muito claro o facto de que, o nosso amigo Jeff que está a olhar para os vizinhos todos pela janela e está preso na cadeira de rodas, ele acaba por projectar para fora dele uma certa violência que ele tem em relação à mulher. Depois o assassino do outro apartamento vai matar a mulher, e a famosa morte por procuração, é como se ele, vilão, ao cometer o crime, esteja a poupar o protagonista de o fazer, e no fundo prepara o protagonista para aceitar o casamento com a personagem da Grace Kelly, a Lisa. Então, o filme tem essa teoria, que a descarga da violência, que temos quando vemos um filme, e o desejo do crime (para o Hitchcock tinha de haver crime), sem crime o filme não tem graça, saímos frustrados, nós queremos que haja esse ritual do crime, para podermos projectar algum tipo de experiência agressiva que esteja connosco, e quando saímos do filme saímos satisfeitos, é como se o cinema fosse um lugar de descarga, e ao contrário de incitar à violência, poupa-nos de sermos violentos, ajuda-nos a sermos menos violentos. Essa é a teoria do Hitchcock, ele construiu esta história para entre outras coisas montar esta teoria. Tanto é que a teoria está no personagem que é o espectador de cinema, ele faz a metáfora do espectador-cinema com aquelas telinhas das janelinhas. Então é um filme sobre o espectador, que faz com que o espectador tenha o desejo do crime, mas quem comete é quem está do outro lado, quem está na tela. E isso coloca-o numa posição de processar a sua agressividade sem cometer efectivamente um acto criminoso.
EP – Quando nós assistimos a filmes onde existe uma grande violência mas é uma violência, por exemplo de uma pessoa na miséria ou uma vítima de tortura, um tipo de violência que pode ter uma justificação social ou política , será que o espectador passa também pelo papel de explorador, torturador, capitalista? Será que esses filmes também não existem para podermos perpetrar e satisfazer um certo sadismo? Um sadismo de uma pessoa, por exemplo, que tendo uma consciência humanista ou de esquerda, com esses filmes acaba por, ao ver a miséria dos outros, poder exercer um poder, mesmo que virtual… Que tipo de relação é que acha que tem um espectador de um tipo de cinema que não é de Hollywood e que muitas vezes reflecte a realidade dura dos povos, que tipo de espectador é esse?
ISMAIL XAVIER – Aí vai depender, eu acho que o cineasta ao criar esse tipo de cinema que gosta e que quer, tem um compromisso com um debate sobre realidades, das mais diversas, colocando problemas sociais. Ele tem que saber que o espectador não é apenas alguém que tem uma ideologia, o espectador não é apenas aquele que vai ver a dimensão política e vai experimentar, ser afectado pelo plano político mas vai ser afectado por inteiro. Nós estamos, como espectadores, integralmente, quando digo nós eu digo é aquilo que pensamos com sentimentos, aqueles valores que com sentimento assumimos e que procuramos viver de acordo com eles, temos também a nossa carga de inconsciente, temos todos as nossas posições e nem todas controláveis. Nós somos um ser que tem um pensar, uma elaboração do mundo mas somos que tem uma psique que tem muitas mais coisas envolvidas. Então eu acho que o filme tem de saber trabalhar e estar atento a existência desses vários planos, eu sou eu, eu tenho uma maneira de pensar, eu tenho os meus valores, eu tenho uma maneira de equacionar o mundo, de racionalmente explicar coisas e tenho também toda a bagagem de experiências emocionais, de recalques, de milhares de coisas que são inconscientes, digamos assim, e dão um grau de impulsividade e descontrolo. O que gera uma reação a filmes que talvez eu nem queira reconhecer que esse factor está presente, eu até posso racionalmente criar uma explicação para a minha relação com um filme que vai ficar reduzida a um plano mas isso não quer dizer ao ver o filme as minhas emoções ficam só nesse plano. Eu acho que a complexidade da arte está ai, que ela se dirige a nós por inteiro. Um filme diferente de um tratado político, um filme diferente de uma análise de uma questão social de um ensaísta ou de um sociólogo por que um filme tem, no caso de um filme narrativo-dramático, tem que passar pela experiência humana como meio para chegar a discutir valores, e essa experiência humana tem todas as suas dimensões presentes, as suas personagens e os espectador, e essas dimensões podem ter intensidade maior ou menor consoante a situação e o espectador. Você numa plateia de cinema, tem uma plateia de espectadores com os perfis mais diversos embora todos possam ser do mesmo partido político. E isso também terá consequências políticas na hora em que essas pessoas tiveram o poder, porque quando você não tem poder o seu perfil é irrelevante porque você não tem poder de ação. Quando você está no poder tudo aquilo que você traz consigo, além dessa postura ideológica consciente e além dos seus valores proclamados, tem outras coisas que estão presentes no seu comportamento e pode gerar outros impulsos que serão racionalizados pela ideologia. Eu acho, por exemplo, que o estalinismo é um caso típico de coisas assim, você tem uma pauta de valores, uma pauta de racionalidade de análise e da realidade político-social e económica do mundo, e dá aquilo.
O sistema de poder seja no capitalismo, que a gente conhece bem porque vive nele, seja em situações que eu não vivi mas pela historiografia eu sei, pelo acompanhamento dos factos eu sei, que acabaram, para mim, um grande fiasco, o que me deixa com um problema e que me faz pensar em certos aspectos na medida em que a gente tem uma relação muito crítica em relação a sociedade em que a gente vive. Porquê? Porque, claro existiram factores de carácter histórico, social e económico, mas também existiram coisas que levaram a decisões que eram as pessoas inteiras que decidiam e tinham poder, essas decisões acabaram por ter grande relevância no mundo. É claro que o nazismo é uma manifestação de um certo racionalismo industrial capitalista mas é óbvio que as coisas chegaram aonde chegaram na Alemanha por outros factores, não quero dizer que sei quais são os factores, mas porque é que só em determinados países em determinados momentos acontece isso? Senão todos os países capitalistas iam na mesma direção assim como todos os países socialistas iam na mesma direção. Então o que é importante é analisar a particularidade de cada situação envolvendo todos os factores humanos, que não são apenas os de carácter sócio-económico-político. Há muita gente que diz “isso é psicologia, essa questão psicológica não é relevante”, eu acho que é. E eu acho que a arte nos faz ter a possibilidade de fazer a ligação disso tudo, a arte é um lugar que nos dá mais a chance de saber que a gente está diante de situações em que o laboratório que você cria do Homem inteiro, o artista, os personagens e o espectador também é um homem inteiro. Eu lembro-me de um texto de análise da sociedade que com a minha racionalidade você é capaz de concordar, discordar, analisar, aceitar a explicação ou não aceitar, a arte não é isso. A arte é uma experiência que você não sabe por onde ela entra em você e por onde ela sai, e você tem que se entregar. Se você já vai com todos os biombos, com todos os seus rebatedores prontos e só vai filtrar aquilo que vai passar por um dos seus canais de relação com o mundo, você vai-se boicotar a si mesmo, você está-se reduzindo, está ficando dogmático.
EP – Última pergunta. Ontem falou do cinema das atracções, o que é que acha que sobrou desse cinema, nas salas de cinema de hoje?
ISMAIL XAVIER – Eu acho que o que temos hoje, é uma capacidade que o cinema teve, Hollywood em especial, de condensar a lógica do cinema de atrações, que é a exibição de tipologia, a exibição da proeza dos efeitos, e a narrativa e o drama. Então você assiste um filme de ficção científica hoje e ele tem um intensidade de efeitos, uma intensidade de exibição da tecnologia enorme, muito maior do que tinha antes, e ao mesmo tempo não deixa de ser um filme narrativo-dramático, tem o personagem com que o espectador se pode relacionar, se identificar, etc. Eu acho que se conseguir uma integração e talvez nunca igual na história, o cinema actual é o que mais se pode dizer ao mesmo um cinema de atracções e um cinema narrativo-dramático. Porque é impressionante a visualidade dos filmes, têm um nível de intensidade, de exibição de técnica.
EP – Acho que nesse sentido o género mais significativo do século XXI, é o filme de super-heróis. Antigamente, um filme do Super-Homem era ridículo, hoje uma pessoa vê filmes de super-heróis e acredita muito mais do que numa banda desenhada, porque a tecnologia ao dispor é impressionante. Voar é tão natural como andar num filme de mutantes…
ISMAIL XAVIER – O grau de verosimilhança de aparência, de facto real, é muito grande e o digital dá um poder, você usa o digital como quem desenha e faz o desenho que você quiser…
EP- Sim, no fundo o cinema de animação invadiu o território do cinema foto-realista.As fronteiras dissolveram-se…
Produção Bando À Parte
Agradecimentos: Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema.