RECEPÇÃO & YNTERPRETAÇÃO/KONSENSOS & FRAKTURAS/ O ESPANTO DA RE-VISÃO & CINEMA KOMPLEXO. O Espectador Espantado entrou na segunda semana de exibição, provavelmente a última oportunidade para verem o filme em sala (Alvaláxia e Trindade). A reacção ao Espectador Espantado não teve o carácter frakturante de Cinesapiens, que dividiu por completo a crítica internacional. No entanto, logo na sua estreia no Festival de Roterdão, aconteceu algo de extremamente revelador, mostrando até que ponto O Espectador Espantado criou uma fractura semelhante à divisão ficcional da plateia de Cinesapiens, entre Espectadores Crentes e Espectadores Espantados. De todos os filmes exibidos no festival foram escolhidos quatro para serem projectados no cine-museu EYE em Amsterdão. O critério de selecção dos filmes baseava-se nos votos dos espectadores do festival de Roterdão: não se tratava de escolher os filmes mais populares, mas sim aqueles que maior potencial de fractura, isto é, os filmes “extremistas”, aqueles que não deixaram o público indiferente e que tinham obtido o maior número de votos máximos e mínimos. Tratava-se de um prémio anti-populista do público: a clivagem era premiada em vez da unanimidade, provavelmente porque a unanimidade raras vezes promove o pensamento crítico. Lembrei-me da frase de Oscar Wilde, quando soube que O Espectador Espantado fazia parte desses 4 filmes mais amados e odiados: “When the critics disagree the author is in accord with himself”. KAOS & NEURO-ORDEM Participei em debates interessantíssimos sobre a actual condição do espectador de cinema e quando um cineasta me disse que O Espectador Espantado deveria fazer parte do currículo das escolas de cinema, não poderia ter ouvido melhor comentário, do ponto de vista académico. Mas é sempre bom duvidar dos Konsensos, o que não me parece que irá acontecer com este filme: apesar de ter uma leitura simples para o criador (eu), habituado a conviver com aquelas imagens e sons durante anos, para alguns espectadores é de difícil assimilação. Por exemplo, uma crítica suíça, entusiasta do filme, ao moderar a sessão de perguntas e respostas no festival de Basileia, confessou que se sentia incomodada por não conseguir absorver todas as imagens e sons ao mesmo tempo, sentindo-se frustrada por não compreender tudo, ao que eu lhe respondi que um filme tem de deixar a vontade de lá regressarmos e ao não conseguirmos absorver tudo, se nos interessarmos pelo filme (o que era o caso) seremos recompensados por uma segunda e terceira leitura do filme, que é feito com a intenção de resistir a múltiplas revisitações. O mesmo se passa com um país, uma cidade, ou até mesmo uma pessoa, sempre parcialmente indecifrável num primeiro contacto.. Há portanto quem considere que o ritmo da montagem de filmes como O Espectador Espantado perturbe o entendimento daquilo que é dito. De acordo com este ponto de vista, o ritmo demasiado frenético, e não dá tempo para refletir. Não alinho nesse ponto de vista (que na sua facção extrema é defensor do tal “cinema puro” de longa duração) antes pelo contrário, estou sempre a encontrar nos meus filmes momentos em que não sou surpreendido e cuja função é acessória, isto é planos passíveis de ser cortados ou encurtados, Os meus director’s cut são (ao contrário da tradição) sempre mais curtos que a versão original. E não acredito que, se O Espectador Espantado tivesse mais 20 minutos, seria mais entendível, dado a tendência da (Cine)Natureza para ocupar todo o espaço vazio: um filme orgânico é, para mim, o resultado de um fenómeno de condensação. Procuro a fluidez e a organicidade em movimento. Penso que um filme tem de deixar a vontade de lá regressarmos e ao não conseguirmos absorver tudo, sermos recompensados por uma segunda e terceira leitura. O Espectador Espantado é feito com a intenção de resistir a múltiplas revisitações e de recompensar o espectador que revisite o filme. A frase de Almada Negreiros “Todos os meus livros devem ser lidos pelo menos duas vezes para os muito inteligentes e daqui para baixo é sempre a dobrar” quer dizer apenas que uma obra de arte não se deve esgotar numa primeira leitura. Assim sendo é possível ser espantado numa segunda (e terceira, etc.) visão (e audição) de um filme. É o que chamo de cinema complexo, impossível de absorver numa só recepção. São filmes que pedem e ao espectador um regresso e dizem-lhe: “Não me vejas uma só vez, faz-me companhia, vais ver que não te arrependes e que surpreenderei com novidades inesperadas, sob a superfície.” Para entendermos um filme complexo teremos de o visionar repetidas vezes, o que não quer dizer que não se possa fruir logo num primeiro visionamento: tal como alguém com simpatizamos num primeiro encontro e que nos provoca a curiosidade de saber mais sobre essa pessoa. Pela minha parte, não sinto necessidade de compreender e assimilar um filme na sua integralidade num primeiro visionamento, e penso que os melhores filmes são aqueles que resistem à interpretação imediata de todos os seus elementos. Formas orgânicas, que encerram mistérios. E é essa a vontade expressa de toda a minha filmografia: a de provocar no espectador por um lado espanto, por outro, e uma nostalgia, uma nostalgia instantânea, que lhe crie a vontade de regressar a esse espanto, com uma nova consciência do filme. Nesse regresso, o espanto do espectador estará nos detalhes e nos significados e associações de sentidos (som, texto e imagem) que lhe passaram desapercebidos. E não acredito que, se O Espectador Espantado tivesse mais 20 minutos seria mais entendível, dado a tendência da Natureza para ocupar todo o espaço vazio: um filme orgânico é, para mim, o resultado de um fenómeno de condensação. A (aparente) incomunicabilidade ou distorção da comunicação é apenas um dos pontos de vista possíveis do espectador, pelo que procuro a fluidez e a organicidade. Em movimento. Sem fazer Koncessões, não tenho outro remédio senão seguir o meu Kaminho…Magnétyko.