O ESPANTO E O ESPANTALHO (SUMÁRIO)

O ESPECTADOR ESPANTADO – KINO-DIÁRIO 25 Abril 2009

(Todas as fotografias pertencem aos filmes Cinesapiens/O Espectador Espantado e podem ser vistas em 3D com óculos anaglíficos (azuis e vermelhos) © Edgar Pêra Produção Bando À Parte)

PICTS CINESAPIENS EXPORT1_ 025-cópia

O ESPANTO E O ESPANTALHO. 

A palavra portuguesa espanto tem um duplo sentido. O espanto, no seu sentido tradicional tem origem na palavra grega THAUMA (thos’-mah), que significava deslumbramento, maravilhamento, perplexidade. Platão, e depois Aristóteles, via no Thauma a origem do conhecimento e da filosofia, a “admiração pelo facto das coisas são como são. Foi a admiração que incitou os Homens a filosofar:” (Aristóteles*))) (*Aristóteles citado por Karl Jaspers, Iniciação Filosófica, Guimarães Ed., Lisboa, 1980, p. 20), a descoberta da “harmonia não visível” (Heráclito). Referiam-se não só aos eventos “banais”, do quotidiano, mas também a mistérios, como o das marionetas. Para Schopenhauer “quanto mais inferior é um homem em inteligência menos mistério encerra para existência dele.” O maravilhamento é a consequência do espanto perante os milagres, ou antes, perante a ignorância. Schopenhauer divide entre espanto filosófico – espanto perante o banal e o vulgar – e espanto científico – espanto perante o que é raro. Para o filósofo alemão Eugen Fink “o espanto torna o evidente em algo incompreensível, o vulgar extraordinário.” (Citado por Carlos Fontes)

Podemos traduzir Espanto pelo termo inglês Amazement – “Wonder and living through the Other”. O maravilhamento  provoca a mudança de ponto de vista. — há um delírio do espectador, mas não uma alucinação.

PICTS CINESAPIENS EXPORT1_ 029-cópia

Depois há a noção de espanto oriunda do latim: Expaventare é espantar no sentido de provocar medo, assustar, assombrar e afastar as pessoas. De expaventare vem também a palavra  espantalho, uma figura que espanta os animais.

PICTS CINESAPIENS EXPORT1_ 127-cópia

Muitos filme de terror assentam num maravilhamento inicial, no fascínio. Só depois da curiosidade surge o medo.

Para Laura Mulvey a crença precedeu o espanto. Primeiro os espectadores acreditaram que o que viam era real (as fantasmagorias por exemplo) só depois de entenderem que se tratava de uma ilusão se espantaram perante o mecanismo.PICTS CINESAPIENS EXPORT1_ 031-cópiaApesar de espantar no sentido de expaventare não ser o significado comum da palavra portuguesa espanto, não podemos ignorar a duplicidade de sentidos desta palavra-chave. Assim sendo, espantar implica tanto um maravilhamento como um medo, a tentação do conhecimento e o pecado original, entre a descoberta e a maldição.PICTS CINESAPIENS EXPORT1_ 126-cópia

Amazement and Fear. a magia. O filme espanta e assusta. . O espectador fica num estado quântico de maravilhamento e medo, o estado de espírito do espectador depende do observador, um meta-especatdor que se consiga ver de fora do espaço e do tempo.  Esse meta-especatdor recua até aos primórdios do cinema, ” e até aos primórdios do homem – que vivia relação directa com os deuses num universo em que o inferno e o paraíso eram entidades reais para os adoradores. Tal como os fãs na sua relação “ingénua” com as “stars.

PICTS CINESAPIENS EXPORT1_ 124-cópiaO Espectador Espantado vive entre admiração e a crença. O maravilhamento inicial estimula a curiosidade e a atracção é substituída por uma narrativa dramática, que assenta. Quando o espanto se manifesta na dimensão do medo, o conhecimento não provoca maravilhamento. O que começa por ser um fenómeno de admiração e entusiasmo transforma-se num fenómeno de possessão momentânea. Cria-se no espectador um sentimento de empatia. Crer na personagem implica aceitar a angústia, quando o espectador é surpreendido por uma ameaça, como por exemplo, quando, durante o visionamento de um filme de suspense, o espectador vê uma arma nas mãos do inimigo enquanto protagonista permanece na ignorância total. E ao mesmo tempo que é afastado-assustado pela pistola, o espectador projecta-se no ecrã e coloca-se no papel do herói. Há um constante vai e vem (do espectador) entre a plateia e o ecrã, entre atracção e repulsa, entre identificação e rejeição.

PICTS CINESAPIENS EXPORT1_ 032-cópia

A cinematografia de David Cronenberg está cheia de momentos de vai e vem entre espanto e repulsa. Quando, em “Videodrome” James Woods enfia uma cassete no estômago o espectador espanta-se e fica atónito antes de eventualmente se repugnar com esse acto visceral. É um momento de total astonishment, de um espanto no sentido: o espanto-maravilhamento, o espanto-medo e o espanto-repulsa. No entanto para o espectador espantado o que fica na memória é um maravilhamento pela ideia e pela capacidade que o autor teve de nos levar a acreditar naquele acontecimento irreal. A crença é fundamental para que o espanto ocorra. Depois da repulsa (realista) pela imagem da mão a enfiar uma cassete no estômago, o que sobra é o espanto da possibilidade de um acontecimento fantástico daquele género ser concretizado num filme. 

CINESAPIENS Outro tipo de espanto, que resulta da mudança de paradigma de conhecimento, podemos encontrar num filme como F For Fake  É o momento em que Orson Welles, depois de no início anunciar que na próxima hora iria dizer apenas a verdade e nada mais do que a verdade, chega a uma altura em que vestido de mago afirma que afinal o que acabara de contar nos últimos minutos  era mentira porque já tinha passado da hora de filme, pelo que continuava a ser verdadeiro apesar de ficcionado. O espanto que espectador sente nesse momento é de natureza cognitiva e ao mesmo tempo é uma cena de comédia. Welles reclamava para o artista o direito de inventar. Aliás, todo o filme é baseado exactamente na ausência de fronteiras entre ficção e realidade e entre verdadeiro e falso. Estaremos na presença neste caso de um meta-espanto?

26 Abril 2009

PS: O conceito de espanto só surgiu durante a pesquisa desta tese. Isto é, a tese só começou realmente quando descobri o conceito de espanto… um conceito que por sua vez esteve (quase) sempre presente na minha praxis, os meus filmes sempre pretenderam espantar. E espantaram-se no duplo sentido da palavra espanto. Pela “positiva” (thauma) e pela “negativa” (expavenere) porque muitos espectadores se sentem surpreendidos pelos meus filmes, alguns são atraídos outros repelidos (espantados no sentido castelhano de afastados)

Advertisement

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s